terça-feira, 3 de março de 2009

CRONICA

LUGAR RESERVADO


Certa manhã de inverno, acordava eu, meio cabisbaixa, como se carregasse o peso do mundo sobre minhas costas, mas na verdade tudo isso era uma grande e inexplicável preguiça.

Realizei todas as minhas tarefas matinais, e fui caminhando a passos lentos para o ponto do ônibus. Com tamanha preguiça surgia um único pensamento... “vou pegar um buzão cheio, não terá nenhum lugar pra sentar, uma hora e vinte minutos em pé, meu dia vai começar bem.” .E o pior que nem era uma segunda-feira.

Com o pensamento envolto em ter que ir em pé, surge então o ônibus, lotado como era de se esperar. Mas eis que surge uma luz no fim do túnel, havia um lugarzinho vazio, um único lugarzinho na frente, reservado por lei para idosos, obesos, grávidas, deficientes etc. Mas naquela manhã nem me importara com isso, me acomodei naquele lugarzinho mesmo, e ainda respirei aliviada, pois naquele dia ia me sentar.

A cada parada do ônibus, rezava para que não entrasse nenhum velhinho, ou nenhuma daquelas pessoas que tinham preferência em sentar naquele lugar. O tempo foi passando e eu me acomodava cada vez mais naquele lugar, sem nem me preocupar com nada. Por um instante fechei meus olhos e quando os abri, surge ao meu lado uma velhinha, mal conseguindo se apoiar, com tantos balanços do ônibus.

Fechei meus olhos novamente e comecei a pensar. “Levanto ou não levanto? Deixo essa velha sentar? Afinal, o que essa senhora tem que sair de casa tão cedo? Aposto que está indo passear, parece que faz isso só pra irritar. Não vou levantar não, afinal não sou a única que está sentada no lugar que dizem ser deles, e não duvido nada, assim que eu me levantar e ela sentar, não dou 10 minutos e ela já ta descendo do ônibus.”

Mas naquele momento começava dentro de mim um enorme conflito interno, como se dentro de mim existisse um anjo e um demônio, que viviam em constantes atritos. Meu lado bonzinho (o anjo), consciente, ético dizia: “levanta daí garota, imagine-se por um momento nessa idade, não foi essa educação que seus pais te deram. Ela tem direito de sentar aí, você está nova, pode ficar um tempo em pé, sem comprometer seu bem estar físico.”

Mas, por outro instante, surge ele, o meu lado demônio, que insistia impiedosamente em me dizer: “ Fica quieta aí, essa velha não tinha nada que sair de casa agora, podia estar em casa, sentada em uma cadeira de balanço ou até mesmo cuidando de suas plantinhas, mas está aqui, incomodando, não saia, afinal, você, vai trabalhar todo o dia e ainda terá que estudar a noite, não saia.”

O conflito durou por alguns minutos (pelo menos para mim) e quando decidi me levantar para dar o lugar a quem era de direito. Abri os meus olhos e percebi que já era o momento de descer, pois o ônibus já chegara ao local onde desço todas as manhãs.

Ao descer o conflito continuou, fiquei por alguns instantes a refletir: o que fiz?O que a maioria das pessoas fazem. Apropriamos de direitos que não são nossos. Ficamos a esperar que alguém tome uma atitude, quando a atitude de mudança deve partir de nós mesmos. Aí então percebi que aquele lugar, aquele único lugarzinho, que para mim, parecia ser a tábua de salvação, era um lugar reservado.

O que para mim perdurara apenas alguns minutos, para aquela velhinha com certeza foi uma eternidade.
Cronica, feita no 5º periodo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário